segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O Estado e a Educação Escolar: Os processos de Formação Humana e Social- II ENAED/SINOP

A UNEMAT Curso de Pedagogia em parceria com a Secretaria Municipal de Educação com o CEFAPRO e com o Centro Acadêmico de Pedagogia, realizou no anfiteatro da UNEMAT nos dias 30/10 a01/11 de 2012 o II Encontro Anual de Educação, tendo como palestrantes o Professor Dr. Cesar Aparecido Nunes (UNICAMP) o Dr. Jaime José Zitkoski (UFRGS) a Dra. Maria Elly Genro (UFRGS) e a Dra. Eveline Bertino Algebaile (UERJ), todos os temas tratados dizem respeito as Políticas Públicas atuais e o processo de Humanização. O evento contou com a apresentação de várias pesquisas e artigos relacionados a esta temática.
Neste sentido as professoras Sara Cristina e Élidi Preciliana apresentaram o seguinte artigo.
AS CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA SOCIOANTROPOLÓGICA PARA A ESCOLA DE FORMAÇÃO HUMANA
Formação Continuada e Educação – Comunicação Científica
PEREIRA, Sara Cristina Gomes1
PAVANELLI-ZUBLER, Élidi Preciliana2.
Resumo: este trabalho tem o objetivo de apresentar a concepção de formação humana presente nas Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso onde é apresentada uma proposta de reconstrução do currículo através do complexo temático a partir do levantamento socioantropológico. Abordamos também as transformações que essa concepção propõe no sentido de rever o currículo e reconfigurar a prática pedagógica. Reconhecendo sempre que teoria e prática andam ciclicamente e que todos somos de certa forma responsáveis pela mudança e pelas transformações que almejamos vemos que as contribuições da pesquisa socioantropológica na escola nos propiciará um olhar para a realidade de nossas comunidades escolares. Esta será ponto de partida para reorganização dos currículos escolares a partir dos Complexos proposto por Pistrak, onde cada instituição escolar terá em seu currículo sua identidade bem como suas necessidades formativas contempladas. Sendo assim legitimadas pelos Projetos Políticos Pedagógicos de cada instituição escolar.

Palavras-chave: formação humana, currículo, pesquisa socioantropológica

As novas determinações do mundo social e produtivo, contempladas pela LDB 9394/96 apontam duas linhas epistemológicas que orientam a elaboração das Orientações Curriculares para a Educação Básica no Estado de Mato Grosso (OCEB) a primeira anuncia metas claras e democráticas estabelecidas no sentido de organizar a ação política do Estado em todas as instâncias, particularmente no tocante a investimentos a segunda prevê uma concepção formulada de modo a integrar todos os saberes, articulando formação científica, tecnológica e cultural, com vistas a superar a ruptura historicamente determinada entre uma escola que ensina a pensar através do domínio teórico-metodológico do conhecimento, socialmente produzido e acumulado e uma escola que ensine a fazer através da memorização de procedimentos e do desenvolvimento de habilidades psicofísicas (MATO GROSSO, 2010 p. 15).
É preciso reconhecer então que a escola na atualidade se constitui como espaço em que os filhos dos que vivem do trabalho podem ter acesso ao conhecimento sistematizado, tal como ele foi produzido pela humanidade ao longo dos anos. Assegurar essa possibilidade, mantendo a qualidade da oferta pública da educação para a maioria da população é crucial para que a possibilidade da transformação social seja concretizada. O que está em pauta então é a recriação da escola, que embora não possa resolver as desigualdades sociais poderá, ao dar acesso ao conhecimento à cultura e ao trabalho, ampliar as condições de inclusão social.
No texto das Orientações a escola única proposta para os Ciclos de Formação Humana não deverá ter diferentes formas de organização com diferentes qualidades uma destinada à formação da burguesia outra destinada aos trabalhadores, mas uma mesma concepção teórica metodológica que oriente para o trabalho intelectual e operacional.
Esta concepção de educação faz uma clara contraposição entre a Escola Industrial Fordista/Taylorista e a Escola de Formação Humana, onde outrora o artesão que tinha conhecimento e domínio da totalidade do seu trabalho, autonomia para organizar seus tempos e liberdade para comercializar seus produtos, com a organização taylorista/fordista tinha que ser reduzido a um trabalhador que dominava apenas um fragmento do processo de trabalho sem ter o controle sobre ele e sobre o que produzia e era comercializado pelo capitalista, métodos que por vezes implicavam na ausência de mobilização de energias intelectuais e criativas no desempenho do trabalho, pois a ele cabia apenas memorizar e repetir de forma mecânica os movimentos necessários à produção.
Desta forma o fundamento do trabalho taylorista/fordista constitui-se de fragmentação, posto que da manufatura à fábrica moderna, a divisão capitalista faz com que a atividade intelectual e material, o gozo e o trabalho, a produção e o consumo caibam a indivíduos distintos, tanto as relações sociais e produtivas como a escola ao educar o trabalhador para essa divisão.
Em decorrência, a ciência e o desenvolvimento social que ela gera, ao pertencerem ao capital, aumentando a sua força produtiva, colocam-se em oposição objetiva ao trabalhador. Assim, o conhecimento científico e o saber prático são distribuídos desigualmente contribuindo ainda mais para aumentar a alienação dos trabalhadores.
A escola neste sentido se constituiu historicamente como uma das formas de materialização desta divisão e como espaço por excelência da distribuição desigual e do acesso ao saber teórico divorciado da prática, representação abstrata feita pelo pensamento humano e que corresponde a uma forma peculiar de sistematização do conhecimento elaborado a partir da cultura da classe dominante que, não por coincidência é a classe que detém o poder material e que possui também os instrumentos materiais para a elaboração do conhecimento. Assim a escola fruto da prática fragmentada, passa a expressar e a reproduzir essa fragmentação através de seus conteúdos, métodos e formas de organização e gestão, mediante um projeto pedagógico que tem sido denominado como taylorista/fordista e que de acordo com Kuenzer (2000) deverá dar lugar a escola voltada para a Formação Humana.
Neste sentido Gramsci (1978) propõe como categoria para a compreensão da educação, o trabalho como princípio educativo, mostrando que os projetos pedagógicos se originarão das necessidades do mundo da produção e da existência, o que implica não só no desenvolvimento de capacidades técnicas, mas principalmente de uma concepção de mundo que aceite o trabalho definido como “natural”, e não como necessidade do modo de produção capitalista, para melhor explorar o trabalho, e assim valorizar-se.
Sendo assim na primeira etapa que atualmente correspondente ao Ensino Fundamental, a escola propiciará a aquisição das capacidades básicas necessárias à apropriação da cultura: ler, escrever, calcular, situar-se histórica e geograficamente, bem como o desenvolvimento das primeiras noções de Estado e Sociedade, sob a forma de direitos e deveres (MATO GROSSO, 2010, p. 22). Tudo isso, com a finalidade de iniciar a elaboração de uma nova concepção de mundo que supere as desigualdades sociais.
A educação neste entendimento tem duas ordens de problemas a enfrentar: primeiro a universalização da Educação Básica e segundo a reformulação dos currículos escolares. Portanto, as Orientações Curriculares para o Estado de Mato Grosso vem contribuir com esta segunda questão.
Em decorrência desta transformação a ação educativa deverá proporcionar ao cidadão/trabalhador conhecimentos mais profundos e contextualizados para que o mesmo saiba comunicar-se adequadamente, trabalhar em equipe, avaliar seu próprio trabalho, adaptar-se a situações novas, criar soluções originais e finalmente ser capaz de educar-se permanentemente. Neste sentido as Orientações apresentam a seguinte finalidade para a educação básica:
a finalidade da escola que unifica conhecimento, trabalho e cultura, é a formação de homens desenvolvidos multilateralmente, que articulem à sua capacidade produtiva às capacidades de pensar, de relacionar-se, de desenvolver sua afetividade, de estudar, de governar e de exercer controle sobre os governantes, ou seja: trabalho na perspectiva da práxis humana e não apenas como prática produtiva, mas como uma das ações, materiais e espirituais, que os seres humanos, individual e coletivamente desenvolvem para construir suas condições de existência. (MATO GROSSO, 2010 p. 18)

Desta forma o trabalho como princípio educativo deriva do fato de reconhecer que todos os seres humanos são seres da natureza e, portanto tem como necessidades básicas alimentar-se, proteger-se das intempéries e criar seus meios de vida. Neste contexto podemos perceber a relevância da ciência e da tecnologia, quando tomadas como propulsores de valores na tarefa de melhoria das condições de vida das pessoas.
Neste sentido as Orientações Curriculares para Mato Grosso argumentam, ser necessário desenvolver um percurso educativo em que estejam presentes e articuladas as duas dimensões, a teórica e a prática, isso significa que a proposta político-pedagógica da Educação Básica terá como principal finalidade o domínio intelectual da tecnologia a partir da cultura, contemplando o currículo de forma teórico-prática em seus fundamentos. Essa concepção permitirá ao aluno da educação básica compreender os processos de trabalho em suas múltiplas dimensões científica, tecnológica, cultural e social, como parte das relações sociais.
Sendo assim a Educação Básica terá como princípios científicos gerais, as habilidades tecnológicas básicas e as formas de linguagens próprias. Como a compreensão histórico-crítica da sociedade e das formas de atuação do homem como cidadão e trabalhador, sujeito e objeto da sua história tendo a rigidez de suas ações substituída pela maleabilidade e flexibilidade e o intensivo trabalho coletivo voltado para a formação humana na perspectiva da inclusão social.
Seguindo este pensamento há que se construir um processo educativo que o leve a dominar as diferentes linguagens desenvolver o raciocínio lógico e a capacidade de usar conhecimentos científicos, tecnológicos, sócio-históricos e culturais para compreender e intervir na vida social e produtiva de forma crítica e criativa, construindo identidades autônomas, intelectual e eticamente capazes de continuar aprendendo ao longo de suas vidas. Torna-se necessário, portanto, discutir a questão do método e como ponto de partida esclarecer que não se trata de discutir apenas procedimentos didáticos ou o uso de diversificados materiais, mas a própria relação que o aluno estabelecerá com o conhecimento em situações planejadas pelo professor ou em outras situações informais (MATO GROSSO, 2010, p.29).
Desse movimento decorre uma concepção metodológica que pode ser compreendida da seguinte forma: o ponto de partida para a construção do conhecimento é sincrético, nebuloso, pouco elaborado, senso comum; o ponto de chegada é uma totalidade concreta, onde o pensamento re-capta e compreende o conteúdo inicialmente separado e isolado do todo neste movimento sendo síntese provisória configurando numa totalidade parcial que será novo ponto de partida para outros conhecimentos onde os significados vão sendo construídos através do deslocamento incessante do pensamento das primeiras e precárias abstrações que constituem o senso comum, para o conhecimento elaborado através da práxis, que resulta não só da articulação entre teoria e prática, entre sujeito e objeto, mas também entre o indivíduo e a sociedade em um dado momento histórico (MATO GROSSO, 2010, p.29).
Lembrando sempre que o ponto de partida para a produção do conhecimento são os homens em sua atividade prática, aqui compreendido como o trabalho, em todas as formas da atividade humana por meio das quais o homem apreende, compreende e transforma as circunstâncias, ao mesmo tempo em que é transformado por elas. Em síntese, o trabalho compreendido como práxis humana, portanto, o eixo sobre o qual será construída a proposta político-pedagógica, que integrará o trabalho, conhecimento e cultura nas escolas se dará através de criteriosa seleção de conteúdos para o desenvolvimento de capacidades e de seu tratamento metodológico diversificado com a finalidade de que os alunos sejam capazes de relacionar os conteúdos das disciplinas com as relações sociais e produtivas que por sua vez constituem sua existência individual e coletiva, construindo assim significados para os mesmos (MATO GROSSO,2010, p.30).
A questão que aqui se apresenta será a de propor situações de aprendizagem que tirem o aluno da inércia e o leve a sentir necessidade de re-elaborar o conhecimento, construindo suas próprias conceituações, mesmo que ainda na superficialidade e depois confrontá-las com outros conhecimentos, até que se construam conhecimentos com a profundidade teórica esperada da escola. Neste pensamento o trabalho pedagógico com princípios interdisciplinar e transdisciplinar substituirá o enfoque disciplinar respondendo assim a diferentes lógicas de aprendizagem. Isso significa que o currículo agora contextualizado com a o seu entorno contemplará uma organização vertical e horizontal composta por disciplinas unidas por um eixo transversal de natureza transdisciplinar que tomará questões que mobilizem o interesse dos alunos. Em consonância com este pensamento as Orientações argumentam que a práxis enquanto processo resultante do contínuo movimento entre teoria e prática, entre pensamento e ação, entre velho e novo, entre sujeito e objeto, entre razão e emoção, entre homem e humanidade, produz conhecimento e por essa razão revoluciona o que está dado, transformando a realidade (MATO GROSSO, 2010, p.33).
Neste sentido a escola de “formação humana” diferente da escola tecnicista, industrial – Taylorista/Fordista significará para um professor que tenha se constituído como educador, mergulhar no mundo dos educandos, perceber que cada um deles é um universo de criatividade, de sensibilidade, de potencialidade, de afetividade e que cada um deles tem uma história, uma identidade e, portanto, um jeito singular de relacionar-se com o mundo, com o novo, com o conhecimento, o que lhe confere necessidades e capacidades cognitivas específicas, às quais o educador deverá responder.
Formação Humana, portanto, é a antítese da repetição. A prática educacional coerente com essas fontes recoloca mais uma vez a questão da democracia. A democracia como método, como caminho de acesso para beber nas fontes do currículo, para estruturá-lo e organizar o ensino. Tal concepção introduz os processos participativos e a práxis concreta do trabalho coletivo de organização do ensino e da construção do conhecimento como atividade essencial da escola (MATO GROSSO, 2010, p.54).
Nessa compreensão Ciclos não prescindem do trabalho coletivo e da democracia como método. E democratizar a escola não é apenas democratizar a gestão elegendo os diretores e os conselhos, embora isto seja muito importante, pensamento em conformidade com Azevedo (2007). A democratização da escola não se realiza sem a democratização do acesso ao conhecimento e sem a realização da aprendizagem de todos os sujeitos aprendizes e compreender que por vezes a escola não é antidemocrática pelo conteúdo que oferece, mas por oferecer diferentes propostas com diferentes qualidades, uma aos trabalhadores intelectuais outra aos operacionais (Gramsci, 1978). A democracia na escola, portanto, terá um sentido pedagógico, não só por tratar de mecanismo de viabilização do acesso ao conhecimento, mas também por ser em si mesma aprendizado de cidadania, da própria prática democrática, da convivência social e coletiva, tendo como fim último garantir a aprendizagem para todos (MATO GROSSO, 2010, p. 52).
Neste sentido desenvolver um movimento na educação com a pretensão de resgatar os princípios da “formação humana” e re-significá-los em face do contexto atual, construindo conceitos e valores identificados com a valorização do ser humano, com uma ordem moral, ética e política, democrática e inclusiva, comprometida com os ideais emancipatórios e com a formação humana constitui-se um desafio aos educadores e a sua concretização implica em intensivo trabalho coletivo dos profissionais da educação que atuam em todas as suas etapas especificidades e modalidades e na implementação de políticas públicas que objetivem a formação humana, na perspectiva da inclusão social (MATO GROSSO, 2010, p. 28).

Orientações Curriculares para Mato Grosso: Bases teóricas
As Orientações Curriculares para o Estado de Mato Grosso tem suas bases teórica nos seguintes autores o Cientista político: Antônio Gramsci, o Educador e filósofo: Paulo Freire, o Psicólogo: Lev Vygotsky, o Filósofo, médico, político e psicólogo: Henri Wallon, o Filósofo epistemólogo: Jean Piaget, o Educador: Moisey Pistrak e o Filósofo e pedagogo: John Dewey dentre outros. O pensamento de Gramsci no documento contribui no sentido de demonstrar as múltiplas formas e possibilidades de organização da educação para adolescentes e jovens o autor no documento referenda a concepção de escola única, ao apontar a necessidade de construir progressivamente a autonomia intelectual e ética nas fases de formação humana defendendo a ideia de que a escola para adolescentes e jovens não se constitui antidemocrática apenas pelo conteúdo que oferece, mas por oferecer diferentes propostas com diferentes qualidades [...] (MATO GROSSO, 2010, p. 12).
Outra base teórica presente no texto das Orientações é Jean Piaget que fundamenta o Ciclo de Formação Humana, a partir das fases de desenvolvimento da criança: “Como primeira consequência dessa opção epistemológica, as Orientações reafirmam os ciclos de formação humana como eixo organizador das práticas pedagógicas no período compreendido entre 6 e 14 anos” (MATO GROSSO, 2010, p. 48).
Temos também as contribuições de Paulo Freire ao estabelecer uma concepção pedagógica onde a produção do conhecimento se dá no processo de transformação da curiosidade ingênua para a curiosidade epistemológica. A curiosidade ingênua é a que caracteriza o senso comum. O desafio do educador é a critização e a superação do senso comum, passando da desrigorosidade para a rigorosidade. Nesse trânsito de superação, o educador deve ter “[...] respeito e estímulo à capacidade criadora do educando, implica no compromisso do educador com a consciência crítica do educando, cuja promoção da ingenuidade não se faz automaticamente” (MATO GROSSO, 2010, p.48).

A concepção de Vygotsky no documento corrobora no sentido de compreender que a cultura fornece aos indivíduos os sistemas simbólicos de representação e suas significações que por sua vez se convertem em organizadores do pensamento, instrumentos aptos para representar a realidade” (MATO GROSSO, 2010, p.26). Em vários momentos, nesta primeira parte do documento há citações de Vygotsky como no tópico - “Aprender nos Ciclos da Vida” onde o autor diz: “A aprendizagem se apoia em processos imaturos, porém em via de maturação e com toda a esfera deste processo está incluída a zona de desenvolvimento proximal, os prazos ótimos de aprendizagem, tanto para o conjunto das crianças como para cada um deles [...]” (MATO GROSSO, 2010, p.46).
Outra contribuição teórica significativa é a de Wallon demonstrando a importância de se considerar aspectos comportamentais e emocionais dos estudantes, (in; Galvão, 1998). Esse reconhecimento se concretiza quando a escola respeita e diagnostica o comportamento dominante em cada etapa do desenvolvimento, estimulando o processo de integração de comportamentos, o que é uma necessidade inerente ao processo de construção da personalidade em cada fase” (MATO GROSSO, 2010, p. 57).
Destaca-se no texto também as contribuições de Pistrak ao contribuir com sua concepção prática e teórica de organização do ensino o autor considera que o objetivo da escola esta na compreensão crítica e dialética da realidade, na qual os temas e fenômenos estudados deverão estar articulados entre si e com a realidade macrossocial e universal. Essa concepção de ensino permite aos educandos não só a apreensão do real, mas também a intervenção consciente no mundo social e cultural do contexto da sociedade a que pertencem. Equivale dizer que o ensino por complexo é produtivo, se fizer a ligação efetiva entre a atividade intelectual na escola, a prática social e a auto-organização fora da escola.

Experiências nas escolas com a reformulação do Currículo por Complexos Temáticos a partir do levantamento socioantropológico
Os estudos sobre a Formação Humana na escola tem evoluído nos últimos anos especialmente no estado de Mato grosso por conta do trabalho com a Organização Curricular por Ciclos de Formação Humana. Estes estudos apontam para o entendimento de que as transformações que deverão ocorrer nas escolas superam mudanças metodológicas, pois apontam para uma transformação e entendimento de uma nova concepção de educação. Neste sentido pede-se uma nova organização curricular, que aqui neste texto apresentaremos como reorganização dos currículos a partir de Complexos partindo do levantamento socioantropológico baseado nos pressupostos teóricos de Pistrak (1981), reorganização esta que deverá acontecer em cada unidade escolar. Além dos estudos sobre Pistrak para este trabalho também nos embasamos em Rocha (1996) que faz uma releitura desta concepção para as escolas municipais de Porto Alegre já com a denominação de Complexos Temáticos. As Orientações apresentam o pensamento do autor da seguinte maneira:
Trata-se de experiência concreta realizada por escolas da rede Pública municipal de Porto Alegre. A investigação socioantropológica é uma entrevista que os professores fazem na comunidade do entorno da escola. Nesta visita, os professores organizam um roteiro de conversas com as famílias procurando registrar as falas que expressam questões concretas que envolvem a comunidade. A sua história, suas lutas, seus ritos e mitos, o circuito de lazer, o tipo de convivência, seu imaginário, enfim seus problemas mais significativos. Em seguida o material apontado é discutido e sistematizado no chamado Complexo Temático. Este é constituído por um núcleo formado pelo fenômeno mais frequente nas falas da comunidade. Em torno do fenômeno principal são colocadas as falas mais significativas e em torno das falas os conceitos a elas relacionados. Construindo assim o Complexo, as diferentes áreas do conhecimento organizam o programa de ensino a partir do fenômeno e das falas, trabalhando os respectivos conteúdos relacionados com os conceitos e com o fenômeno do complexo. Esta prática estimula o trabalho coletivo, a interdisciplinaridade e possibilita que as questões concretas da comunidade apareçam na linguagem e no conteúdo escolar conferindo significados aos processos de aprendizagem. (MATO GROSSO, 2010, p.52)

Neste sentido e seguindo as Orientações Curriculares para a Educação Básica de Mato Grosso o Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica CEFAPRO/Sinop sob a Orientação da Secretaria de Estado de Educação organizou e desenvolveu o Seminário com o tema “Formação em Rede Orientações Curriculares para a Educação Básica do Estado de Mato Grosso” nos dias 27 a 30 de agosto do corrente ano, onde profissionais de 15 municípios que compõe este Polo sendo eles (Cláudia, Colíder, Feliz Natal, Ipiranga do Norte, Itaúba, Itanhangá, Lucas do Rio Verde, Nova Ubiratã, Santa Carmem, Sorriso, União do Sul, Tapurah, Vera, e Sinop) participaram do evento que teve como objetivo principal contribuir com a reconstrução curricular das escolas de modo a considerar as experiências vividas pela/na comunidade escolar, visando o replanejamento do trabalho pedagógico na perspectiva interdisciplinar.
Considerando que desde 2009 a Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso em parceria com os CEFAPROS e com as mais de 700 escolas Estaduais tem buscado através da Formação Continuada estabelecer um diálogo que resultou na construção coletiva deste importante documento onde a dinâmica deste processo envolveu encontros nas escolas, encontros municipais, encontros regionais e por fim encontros Estaduais, resultando de num período de aproximadamente 3 anos sua elaboração e implementação. O Seminário apenas veio consolidar este processo de reflexão/ação sobre a atual concepção de educação básica para este Estado de Mato Grosso, dentre os temas discutidos no evento tivemos:
- O materialismo Histórico Dialético e a Educação
- O Ciclo de Formação Humana e a Sensibilidade do Educador
- Orientações Curriculares de Mato Grosso e a Democratização da Educação
- As ações Pedagógicas Orientadas pelos Eixos Estruturantes
- Repensando o Currículo na organização do trabalho Pedagógico
- Complexo temático como ferramenta organizadora do Currículo
-As Contribuições da pesquisa Socioantropológica na Escola.
Além destes temas foram organizadas sete oficinas com a finalidade de demonstrar aos profissionais de educação básica como poderão ser reorganizados os Currículos nas escolas através do Complexo Temático a partir do levantamento socioantropológico. No último dia do evento foram socializadas pelos cursistas as experiências realizadas nas oficinas e foram feitos também esclarecimentos de alguns aspectos do evento pelos palestrantes. O CEFAPRO/Sinop então ao recolher as avaliações dos cursistas e sistematiza-las pode perceber o grande desafio que será para as escolas reorganizarem seus currículos nesta perspectiva, porém a maioria das avaliações apontou serem estas transformações no fazer pedagógico necessárias, tendo em vista as atuais transformações sociais.
Segundo entendimento dos envolvidos neste processo a insatisfação com a escola e com a sociedade que temos motivará os profissionais da educação a buscar entender esta concepção de homem e de sociedade proposta pelas Orientações Curriculares. Relembrando sempre a luta de Paulo Freire e outros intelectuais pela humanização da educação. Este de fato deve ser o papel da educação, buscar nas contradições e na construção coletiva uma forma diferente de vivenciar a educação e transformar a realidade social que se nos apresenta.
Isto implica no redimensionamento e no reposicionamento do educador que com pequenos gestos e pequenas atitudes, fará surgir um novo fazer transformador e inclusivo. Para tal o diálogo entre as diferentes fontes do conhecimento fortalecerá estas ações, reconhecendo que as angustias dos educadores são salutares pois demonstram a predisposição dos mesmos a mudança. Para os educadores agora é o momento da coragem e da ousadia, para não fazer apenas o trivial mais ampliar os objetivos da escola e a dimensão de suas ações. Reconhecendo sempre que teoria e prática andam ciclicamente. E que todos somos de certa forma responsáveis pela mudança e pelas transformações que almejamos, pois não somos sujeitos prontos e acabados somos incompletos e desaprender ações pedagógicas que já não são adequadas será desde já nossa principal preocupação.
Considerar o que Paulo Freire já disse “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo" Freire (1987) esta concepção de educação implica em compreender que educar consiste em definir e buscar a própria identidade apropriando-se de instrumentos para participar na sociedade assumindo um compromisso social, entende-se assim que a educação só se dá pela e na ação daquele que aprende, como sujeito aprendente.
Assim vemos que as contribuições da pesquisa socioantropológica na escola nos propiciarão um olhar para a realidade de nossas comunidades escolares. Esta será ponto de partida para reorganização dos currículos escolares a partir dos Complexos proposto por Pistrak (1981), onde cada instituição escolar terá em seu currículo sua identidade bem como suas necessidades formativas contempladas, sendo estas legitimadas pelos Projetos Políticos Pedagógicos de cada Instituição.
Motivadas pelo seminário as escolas tem solicitado ao CEFAPRO uma reflexão mais aprofundada sobre os temas trabalhados no evento. Desta forma o Centro organizou grupos para apoio aos principais temas discutidos no evento. Um dos temas solicitados para o trabalho na escola foi a construção de um instrumento e metodologias para o levantamento sócio antropológico. Neste sentido um grupo de professoras formadoras tem ido às escolas para construir com eles o significado e o instrumento que melhor represente o levantamento socioantropológico de cada instituição escolar, este trabalho está atualmente em desenvolvimento. Várias escolas tem construído coletivamente este instrumento, com a orientação deste grupo de professoras formadoras do CEFAPRO que elaboraram um Tópico Guia para que cada instituição possa construir o instrumento de coleta de dados de acordo com o interesse e a necessidade do coletivo escolar, bem como escolham a melhor maneira para aplica-lo e sistematiza-lo, afim de que tenham subsídio para reorganizar seus Currículos a partir do Complexo Temático respaldados pelas Orientações Curriculares para o estado de Mato Grosso. Desta forma este processo culminará com a reorganização dos Currículos das Escolas de Educação Básica por Complexo Temático para os próximos anos letivos.


Referências Bibliográficas


AZEVEDO, J. C. Reconversão cultural da escola: mercoescola e escola cidadã. Porto Alegre: Sulina, 2007.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
MATO GROSSO. Orientações Curriculares: concepções para a Educação Básica. SEDUC/MT. Cuiabá, 2010.
PISTRAK, M. M. Fundamentos da escola do trabalho. Tradução Daniel Aarão Reis Filho. São Paulo: editora Brasiliense, 1981.
ROCHA, Silvio (Org.). Ciclos de formação: a proposta político-pedagógica da escola cidadã. Cadernos Pedagógicos, n. 9. Porto Alegre: SMED, 1996.
KUENZER, A. Z. Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Cortez, 2000.




1Mestranda INSES, CEFAPRO, cristina.sara.27@hotmail.com

2Especialista, CEFAPRO, elidipavanelli@gmail.com

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