Pauta desenvolvida pela formadora Sara Cristina com Diretores de escolas Estaduais de Sinop-Mt.
ESTADO
DE MATO GROSSO
SUPERINTENDÊNCIA
DE FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
CENTRO
DE FORMAÇÃO E ATUALIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
– CEFAPRO.
Projeto
Sala de Gestores
Data:
03/07/2013
Horário: 7:00 as 11:00 h
Tema:
Formação Continuada
Responsáveis:
Kátia de O. Carvalho, Kika, Lucineide Gatto, Reginaldo Vieira da
Costa e Sara Cristina Gomes Pereira.
Objetivo:
Assimilar a concepção de formação continuada da política de
formação do estado e compreender a importância e necessidade do
compromisso dos gestores para sua implementação via Projeto Sala de
Educador.
Leitura
compartilhada:
Atividades:
Leitura
do caderno do registro do encontro anterior
Levantamento
dos conhecimentos prévios – individualmente.
Socialização
e sistematização
Debate
/ Problematizações. ( Voce participa do PSE? Qual sua participação
no PSE? Quais estratégias vc adotou para participar? O que é
possícel fazer para melhorar sua participação? È importante a
sua participação no PSE? Por que?)
5)Leitura dos
textos: Parecer Orientativo PSE (parte que fala da equipe gestora) e texto de Antonio Nóvoa "Para uma formação de professores construída dentro da profissão"
6)Com
base no texto, construir a concepção de Formação Continuada.
7)Socialização
-->
Para
uma formação de professores construída dentro da profissão
Nóvoa
A educação vive um
tempo de grandes incertezas e de muitas perplexidades. Sentimos a
necessidade da mudança, mas nem sempre conseguimos definir-lhe o
rumo. Há um excesso de discursos, redundantes e repetitivos, que se
traduz numa pobreza de práticas.
Há momentos em que
parece que todos dizemos o mesmo, como se as palavras ganhassem vida
própria e se desligassem da realidade das coisas. As organizações
internacionais e as redes que hoje nos mantêm permanentemente
ligados contribuem para esta vulgata que tende a vendar mais do que a
desvendar.
O campo da
formação de professores está particularmente exposto a este efeito
discursivo, que é também um efeito de moda. E a moda é, como todos
sabemos, a pior maneira de enfrentar os debates educativos. Os
textos, as recomendações, os artigos e as
teses sucedem-se a
um ritmo alucinante repetindo os mesmos conceitos, as mesmas ideias,
as mesmas propostas.
É difícil não
sermos contaminados por este “discurso gasoso” que ocupa todo o
espaço e que dificulta a emergência de modos alternativos de pensar
e de agir (Nóvoa & DeJong-Lambert, 2003). Mas é preciso fazer
um esforço para manter a lucidez e, sobretudo, para construir
propostas educativas que nos façam sair deste círculo vicioso e nos
ajudem a definir o futuro da formação de professores.
O meu ensaio
constrói-se em torno de um argumento muito simples: a necessidade de
uma formação de professores construída dentro da profissão.
Procurarei iluminar cinco facetas desta problemática, a partir de
palavras que são também propostas de acção: práticas, profissão,
pessoa, partilha, público. O ensaio tem como pano de fundo a
convicção de que estamos a assistir, neste início do século XXI,
a um regresso dos professores ao centro das preocupações
educativas. Os anos 70 foram marcados pela racionalização do
ensino, a pedagogia por objectivos, a planificação. Os anos 80
pelas reformas educativas e pela atenção às questões do
currículo. Os anos 90 pela organização, administração e gestão
dos estabelecimentos de ensino. Agora, parece ter voltado o tempo dos
professores.
E, num tempo
assim, talvez valha a pena regressar a uma pergunta que deixámos de
fazer há muitos anos: O que é um bom professor?
O que é um bom
professor?
Sabemos todos que
é impossível definir o “bom professor”, a não ser através
dessas listas intermináveis de “competências”, cuja simples
enumeração se torna insuportável. Mas é possível, talvez,
esboçar alguns apontamentos simples, sugerindo disposições que
caracterizam o
trabalho docente nas sociedades contemporâneas.
Reconheço
que o conceito de disposição levanta algumas dificuldades.
Limito-me a assinalar, brevemente, as razões por que a ele recorro
em vez de competências.
Durante
muito tempo, procuraram-se os atributos ou as características que
definiam o “bom professor”. Esta abordagem conduziu, já na
segunda metade do século XX, à consolidação de uma trilogia que
teve grande sucesso: saber (conhecimentos), saber-fazer
(capacidades), saber-ser (atitudes).
Nos
anos 90 foi-se impondo um outro conceito, competências, que assumiu
um papel importante na reflexão teórico e, sobretudo, nas reformas
educativas. Todavia, apesar de inúmeras reelaborações, nunca
conseguiu libertar-se das suas origens comportamentalistas e de
leituras de cariz técnico e instrumental.
Não
espanta, por isso, que se tenha adaptado tão bem às políticas da
“qualificação dos recursos humanos”, da “empregabilidade” e
da “formação ao longo da vida”, adquirindo uma grande
visibilidade nos textos das organizações internacionais, em
particular da União Europeia.
Ao
sugerir um novo conceito, disposição, pretendo romper com um debate
sobre as competências que me parece saturado. Adopto um conceito
mais “liquído” e menos “sólido”, que pretende olhar
preferencialmente para a ligação entre as dimensões pessoais e
profissionais na produção identitária dos professores.
Coloco,
assim, a tónica numa (pre)disposição que não é natural mas
construída, na definição pública de uma posição com forte
sentido cultural, numa profissionalidade docente que não pode deixar
de se construir no interior de uma pessoalidade do professor.
1. O
conhecimento.
Aligeiro as palavras do filósofo francês Alain: Dizem-me que, para
instruir, é necessário conhecer aqueles que se instruem. Talvez.
Mas bem mais importante é, sem dúvida, conhecer bem aquilo que se
ensina (1986, p. 55). Alain tinha razão. O trabalho do professor
consiste na construção de práticas docentes que conduzam os alunos
à aprendizagem. Como escreveu Gaston Bachelard, em 1934, “é
preciso substituir o aborrecimento de viver pela alegria de pensar”
(cf. Gil, 1993). E ninguém pensa no vazio, mas antes na aquisição
e na compreensão do conhecimento.
2. A cultura
profissional.
Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar,
integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais
experientes. É na escola e no diálogo com os outros professores que
se aprende a profissão. O registo das práticas, a reflexão sobre o
trabalho e o exercício da avaliação são elementos centrais para o
aperfeiçoamento e a inovação. São estas rotinas que fazem avançar
a profissão.
3. O tacto
pedagógico.
Quantos livros se gastaram para tentar apreender este conceito tão
difícil de definir? Nele cabe essa capacidade de relação e de
comunicação sem a qual não se cumpre o acto de educar. E também
essa serenidade de quem é capaz de se dar ao respeito, conquistando
os alunos para o trabalho escolar. Saber conduzir alguém para a
outra margem, o conhecimento, não está ao alcance de todos. No
ensino, as dimensões profissionais cruzam-se sempre,
inevitavelmente, com as dimensões pessoais.
4. O trabalho em
equipa.
Os novos modos de profissionalidade docente implicam um reforço das
dimensões colectivas e colaborativas, do trabalho em equipa, da
intervenção conjunta nos projectos educativos de escola. O
exercício profissional organiza-se, cada vez mais, em torno de
“comunidades de prática”, no interior de cada escola, mas também
no contexto de movimentos pedagógicos que nos ligam a dinâmicas que
vão para além das fronteiras organizacionais.
5. O compromisso
social.
Podemos chamar-lhe diferentes nomes, mas todos convergem no sentido
dos princípios, dos valores, da inclusão social, da diversidade
cultural. Educar é conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras
que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo nascimento,
pela família ou pela sociedade. Hoje, a realidade da escola
obriga-nos a ir além da escola. Comunicar com o público, intervir
no espaço público da educação, faz parte do ethos profissional
docente.
Aqui ficam cinco
disposições que são essenciais à definição dos professores nos
dias de hoje. Elas servem-nos de pretexto para a elaboração das
propostas seguintes sobre a formação de professores. São propostas
genéricas que, devidamente contextualizadas, podem inspirar uma
renovação dos programas e das práticas de formação.
É escusado dizer
que, sobretudo no caso da formação de professores do ensino
secundário, o domínio científico de uma determinada área do
conhecimento é absolutamente imprescindível. Sem esse conhecimento
tudo o resto é irrisório. Parto do pressuposto que, na actual
configuração das políticas europeias, se define o Mestrado como
grau académico para a entrada na profissão docente. Os candidatos
ao professorado terão, assim, de percorrer três momentos de
formação:
1.º A graduação
numa determinada disciplina científica;
2.º O mestrado em
ensino, com um forte referencial didáctico, pedagógico e
profissional;
3.º Um período
probatório, de indução profissional.
As propostas
seguintes incidem apenas, como é evidente, sobre o segundo e o
terceiro momentos do percurso de formação como professor.
P1 – Práticas
A formação de
professores deve assumir uma forte componente práxica, centrada na
aprendizagem dos alunos e no estudo de casos concretos, tendo como
referência o trabalho escolar.
O debate educativo
esteve marcado, durante muito tempo, pela dicotomia teoria/prática.
É certo que, logo no final do século XIX, Henri Marion afirma que,
de entre todas as ciências práticas, a ciência política é a mais
próxima da pedagogia, uma vez que tem como objectivo a acção e não
o saber (1887, p. 2238). E, alguns anos mais tarde, em 1902, Émile
Durkheim avança mesmo o conceito de teoria prática, para tentar
escapar a uma inútil dicotomia (1993, p. 80).
Mas a verdade é
que não houve uma reflexão que permitisse transformar a prática em
conhecimento. E a formação de professores continuou a ser dominada
mais por referências externas do que por referências internas ao
trabalho docente. Impõe-e inverter esta longa tradição, e
instituir as práticas profissionais como lugar de reflexão e de
formação.
Não se trata de
adoptar uma qualquer deriva praticista e, muito menos, de acolher as
tendências anti-intelectuais na formação de professores (Nóvoa,
2008). Trata-se, sim, de abandonar a ideia de que a profissão
docente se define, primordialmente, pela capacidade de transmitir um
determinado saber. É esta concepção que tem levado às
intermináveis discussões entre “republicanos”, que apenas se
interessariam pelos conteúdos científicos, e “pedagogos”, que
colocariam os métodos de ensino acima de tudo o resto (adopta-se
aqui a divisão entre “republicanos” e “pedagogos” habitual
nas polémicas educativas em França – ver a tese de doutoramento
de Alain Trouvé, 2006).
Não. O que
caracteriza a profissão docente é um lugar outro, um terceiro
lugar, no qual as práticas são investidas do ponto de vista teórico
e metodológico, dando origem a à construção de um conhecimento
profissional docente. Como escreve David Labaree (2000), as práticas
docentes são extremamente difíceis e complexas, mas, por vezes,
alimenta-se publicamente a ideia de que ensinar é muito simples,
contribuindo assim para um desprestígio da profissão.
A este propósito,
a comparação com a formação dos médicos, que vem desde a origem
das primeiras escolas normais, no século XIX, continua a revelar-se
fértil. Inspirado por um texto de Lee Shulman, An immodest proposal,
tive a oportunidade, recentemente, de acompanhar um grupo de
estudantes e professores de Medicina num hospital universitário. Do
que pude observar, quero chamar a atenção para quatro aspectos: i)
o modo como a formação se realiza a partir da observação, do
estudo e da análise de cada caso; ii) a identificação de aspectos
a necessitarem de aprofundamentos teóricos, designadamente quanto à
possibilidade de distintas abordagens de uma mesma situação; iii) a
existência de uma reflexão conjunta, sem confundir os papéis de
cada um (chefe da equipa, médicos, internos, estagiários, etc.),
mas procurando mobilizar um conhecimento pertinente; iv) a
preocupação com questões relacionadas com o funcionamento dos
serviços hospitalares e a necessidade de introduzir melhorias de
diversa ordem.
Estamos perante
um modelo que pode servir de inspiração para a formação de
professores. Os quatro aspectos acima mencionados encerram quatro
lições importantes.
Em primeiro lugar, a
referência sistemática a casos concretos, e o desejo de encontrar
soluções que permitam resolvê-los. Estes casos são “práticos”,
mas só podem ser resolvidos através de uma análise que, partindo
deles, mobiliza conhecimentos teóricos. A formação de professores
ganharia muito se se organizasse, preferentemente, em torno de
situações concretas, de insucesso escolar, de problemas escolares
ou de programas de acção educativa. E se inspirasse junto dos
futuros professores a mesma obstinação e persistência que os
médicos revelam na procura das melhores soluções para cada caso.
Em segundo lugar,
a importância de um conhecimento que vai para além da “teoria”
e da “prática” e que reflecte sobre o processo histórico da sua
constituição, as explicações que prevaleceram e as que foram
abandonadas, o papel de certos indivíduos e de certos
contextos, as
dúvidas que persistem, as hipóteses alternativas, etc. Como escreve
Lee Shulman (1986) num texto seminal, para ser professor não basta
dominar um determinado conhecimento, é preciso compreendê-lo em
todas as suas dimensões.
Em terceiro
lugar, a procura de um conhecimento pertinente, que não é uma mera
aplicação prática de uma qualquer teoria, mas que exige sempre um
esforço de reelaboração. Estamos no âmago do trabalho do
professor. Nos últimos vinte anos, vulgarizou-se o conceito de
transposição didáctica, trabalhado por Yves Chevallard (1985),
para explicar a acção docente. Posteriormente, Philippe Perrenoud
(1998) avançou o conceito de transposição pragmática para
sublinhar a importância da mobilização prática dos saberes em
situações inesperadas e imprevisíveis. Pessoalmente, prefiro falar
em transformação deliberativa, na medida em que o trabalho docente
não se traduz numa mera transposição, pois supõe uma
transformação dos saberes, e obriga a uma deliberação, isto é, a
uma resposta a dilemas pessoais, sociais e culturais.
Em quarto lugar,
a importância de conceber a formação de professores num contexto
de responsabilidade profissional, sugerindo uma atenção constante à
necessidade de mudanças nas rotinas de trabalho, pessoais,
colectivas ou organizacionais. A inovação é um elemento central do
próprio processo de formação.
P2 – Profissão
A formação de
professores deve passar para “dentro” da profissão, isto é,
deve basear-se na aquisição de uma cultura profissional, concedendo
aos professores mais experientes um papel central na formação dos
mais jovens.
Esta segunda
proposta é a que melhor ilustra o conjunto dos argumentos que
procuro desenvolver neste ensaio. Ela poderia estar escrita de outro
modo: devolver a formação de professores aos professores. A frase
pressupõe que os professores terão sido afastados dos programas de
formação. E, de facto, assim é.
Os médicos, os
engenheiros ou os arquitectos têm um papel dominante na formação
dos seus futuros colegas. O mesmo não se passa com os professores.
Se é natural que assim seja no que diz respeito ao primeiro momento
da formação dos professores do ensino secundário (licenciatura),
nada justifica o papel marginal que desempenham no segundo momento
(mestrado) e até, por vezes, no terceiro (indução profissional).
Na verdade, houve
vários grupos que, progressivamente, foram assumindo uma
responsabilidade cada vez maior na formação dos professores, e na
regulação da profissão docente, relegando os próprios professores
para um papel secundário. Estou a referir-me a um conjunto vasto e
heterogéneo de especialistas que ocupam lugares de destaque nos
departamentos universitários de Educação (ou Ciências da
Educação) e nas entidades oficiais ou para-oficiais responsáveis
pela política educativa.
No primeiro caso,
a expansão da “comunidade de formadores de professores” teve
efeitos muito positivos, sobretudo no que diz respeito à proximidade
com a investigação e ao rigor científico. Mas acentuou, claro
está, a tendência para valorizar o papel dos “cientistas da
educação” ou dos “especialistas pedagógicos” e do seu
conhecimento teórico ou metodólógico em detrimento dos professores
e do seu conhecimento prático. É inegável que a investigação
científica em educação tem uma missão indispensável a cumprir,
mas a formação de um professor encerra uma complexidade que só se
obtém a partir da integração numa cultura profissional.
No segundo caso,
verifica-se um desenvolvimento, sem precedentes, de uma série de
especialistas e de entidades de acreditação e de avaliação que
definem os currículos da formação de professores, o modo de
entrada na profissão, as regras do período probatório e o juízo
sobre os desempenhos profissionais. Estes especialistas são
fortemente influenciados pelas organizações internacionais (União
Europeia, OCDE, etc.) e tendem a ocupar um espaço que deveria ser da
responsabilidade dos professores mais experientes.
O contributo
destes dois grupos é essencial para a formação de professores. Mas
não é possível escrever textos atrás de textos sobre a praxis e o
practicum, sobre a phronesis e a prudentia como referências do saber
docente, sobre os professores reflexivos, se não concretizarmos uma
maior presença da profissão na formação (Birmingham, 2004).
Por isso, insisto
na necessidade de devolver a formação de professores aos
professores, porque o reforço de processos de formação baseadas na
investigação só faz sentido se eles forem construídos dentro da
profissão. Enquanto forem apenas injunções do exterior, serão bem
pobres as mudanças que terão lugar no interior do campo
profissional docente.
Um momento
particularmente sensível na formação de professores é a fase de
indução profissional, isto é, os primeiros anos de exercício
docente. Grande parte da nossa vida profissional joga-se nestes anos
iniciais e na forma como nos integramos na escola e no
professorado. Neste
sentido, este momento deve ser organizado como parte integrante do
programa de formação em articulação com a licenciatura e o
mestrado.
Nestes anos em
que transitamos de aluno para professor é fundamental consolidar as
bases de uma formação que tenha como referência lógicas de
acompanhamento, de formação-em-situação, de análise da prática
e de integração na cultura profissional docente.
P3 – Pessoa
A formação
de professores deve dedicar uma atenção especial às dimensões
pessoais da profissão docente, trabalhando essa capacidade de
relação e de comunicação que define o tacto pedagógico.
Ao longo dos últimos
anos, temos dito (e repetido) que o professor é a pessoa, e que a
pessoa é o professor. Que é impossível separar as dimensões
pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que,
naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Que
importa, por isso, que os professores se preparem para um trabalho
sobre si próprios, para um trabalho de autoreflexão e de
auto-análise.
Temos caminhado
no sentido de uma melhor compreensão do ensino como profissão do
humano e do relacional. As dificuldades levantadas pelos “novos
alunos” (por aqueles que não querem aprender, por aqueles que
trazem novas realidades sociais e culturais para dentro da escola)
chamam a atenção para a dimensão humana e relacional do ensino,
para esse corpo-a-corpo diário a que os professores estão
obrigados.
Ora esta relação
(a qualidade desta relação) exige que os professores sejam pessoas
inteiras. Não se trata de regressar a uma visão romântica do
professorado (a conceitos vocacionais ou missionários). Trata-se,
sim, de reconhecer que a necessária tecnicidade e cientificidade do
trabalho docente não esgotam todo o ser professor. E que é
fundamental reforçar a pessoa-professor e o professor-pessoa.
Estamos no limiar
de uma proposta com enormes conseqüências para a formação de
professores, que constrói uma teoria da pessoalidade no interior de
uma teoria da profissionalidade. Assim sendo, é importante
estimular, junto dos futuros professores e nos primeiros anos de
exercício profissional, práticas de auto-formação, momentos que
permitam a construção de narrativas sobre as suas próprias
histórias de vida pessoal e profissional.
Refiro-me à
necessidade de elaborar um conhecimento pessoal (um
auto-conhecimento) no interior do conhecimento profissional e de
captar (de capturar) o sentido de uma profissão que não cabe apenas
numa matriz técnica ou científica. Toca-se aqui em qualquer coisa
de indefinível, mas que está no cerne da identidade profissional
docente.
O registo
escrito, tanto das vivências pessoais como das práticas
profissionais, é essencial para que cada um adquira uma maior
consciência do seu trabalho e da sua identidade como professor. A
formação deve contribuir para criar nos futuros professores hábitos
de reflexão e de auto-reflexão que são essenciais numa profissão
que não se esgota em matrizes científicas ou mesmo pedagógicas, e
que se define, inevitavelmente, a partir de referências pessoais.
P4 – Partilha
A formação de
professores deve valorizar o trabalho em equipa e o exercício
colectivo da profissão, reforçando a importância dos projectos
educativos de escola.
A emergência do
professor colectivo (do professor como colectivo) é uma das
principais realidades do início do século XXI. Já se tinha
assistido a este fenómeno noutras profissões, por exemplo na saúde,
na engenharia ou na advocacia, mas no ensino, apesar da existência
de algumas práticas colaborativas, não se tinha verificado ainda a
consolidação de um verdadeiro “actor colectivo” no plano
profissional.
Hoje, a
complexidade do trabalho escolar reclama um aprofundamento das
equipas pedagógicas. A competência colectiva é mais do que o
somatório das competências individuais. Estamos a falar da
necessidade de um tecido profissional enriquecido, da necessidade de
integrar na cultura docente um conjunto de modos colectivos de
produção e de regulação do trabalho.
Seria demasiado
longo percorrer, agora, todas as implicações do que acabo de
afirmar para a formação de professores. Retenho apenas dois
aspectos.
Em primeiro
lugar, a ideia da escola como o lugar da formação dos professores,
como o espaço da análise partilhada das práticas, enquanto rotina
sistemática de acompanhamento, de supervisão e de reflexão sobre o
trabalho docente. O objectivo é transformar a experiência colectiva
em conhecimento profissional e ligar a formação de professores ao
desenvolvimento de projectos educativos nas escolas.
Em segundo lugar,
a ideia da docência como colectivo, não só no plano do
conhecimento mas também no plano da ética. Não há respostas
feitas para o conjunto de dilemas que os professores são chamados a
resolver numa escola marcada pela diferença cultural e pelo conflito
de valores. Por isso, é tão importante assumir uma ética
profissional que se constrói no diálogo com os outros colegas.
A colegialidade,
a partilha e as culturas colaborativas não se impõem por via
administrativa ou por decisão superior. A formação de professores
é essencial para consolidar parcerias no interior e no exterior do
mundo profissional. Hoje, num tempo tão carregado de referências ao
trabalho cooperativo dos professores, é surpreendente a fragilidade
dos movimentos pedagógicos que, ao longo do século XX,
desempenharam um papel central na inovação educacional. Estes
movimentos, tantas vezes baseados em redes informais e associativas,
são espaços insubstituíveis no desenvolvimento profissional dos
professores.
É urgente
reforçar as comunidades de prática, isto é, um espaço conceptual
construído por grupos de educadores comprometidos com a pesquisa e a
inovação, no qual se discutem ideias sobre o ensino e aprendizagem
e se elaboram perspectivas comuns sobre os desafios da formação
pessoal, profissional e cívica dos alunos.
Através dos
movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática, reforça-se
um sentimento de pertença e de identidade profissional que é
essencial para que os professores se apropriem dos processos de
mudança e os transformem em práticas concretas de intervenção. É
esta reflexão colectiva que dá sentido ao desenvolvimento
profissional dos professores.
Para conseguir
esta transformação de fundo na organização da profissão docente
é fundamental construir programas de formação coerentes. O diálogo
profissional tem regras e procedimentos que devem ser adquiridos e
exercitados nas escolas de formação e nos primeiros anos de
exercício docente. Sem isso, continuaremos a repetir intenções que
dificilmente terão uma tradução concreta na vida dos professores e
das escolas.
P5 – Público
A formação de
professores deve estar marcada por um princípio de responsabilidade
social, favorecendo a comunicação pública e a participação
profissional no espaço público da educação.
As escolas são
lugares da relação e da comunicação. Mas as escolas comunicam mal
com o exterior. Os professores explicam mal o seu trabalho. As
escolas resistem à avaliação e à prestação de contas sobre o
seu trabalho. E, sobretudo, há uma ausência da voz dos professores
nos debates públicos. É necessário aprender a comunicar com o
público, a ter uma voz pública, a conquistar a sociedade para o
trabalho educativo comunicar para fora da escola.
Será que a
exposição pública vai contribuir para tornar os professores e as
escolas mais vulneráveis? Talvez. Mas, paradoxalmente, esta
vulnerabilidade é condição essencial da sua evolução e da sua
transformação.
A escola cresceu
como “palácio iluminado”. Hoje, é apenas um pólo – sem
dúvida muito importante – num conjunto de redes e de instituições
que devem responsabilizar-se pela educação das crianças e pela
formação dos jovens. Curiosa mente, é este estatuto
mais modesto que lhe
permitirá readquirir uma credibilidade que foi perdendo.
A
contemporaneidade exige que tenhamos a capacidade de recontextualizar
a escola no seu lugar próprio, valorizando aquilo que é
especificamente escolar, deixando para outras instâncias atividades
e responsabilidades que hoje lhe estão confiadas.
É este o sentido
daquilo que tenho designado por novo espaço público da educação,
no qual se poderá celebrar um novo contrato entre os professores e a
sociedade. Não basta atribuir responsabilidades às diversas
entidades, é necessário que elas tenham uma palavra a dizer, que
elas tenham capacidade de decisão sobre os assuntos educativos.
A concretização
desta mudança exige uma grande capacidade de comunicação dos
professores e um reforço da sua presença pública. Importa retomar
uma tradição histórica das escolas de formação do início do
século XX, que procuravam acentuar o papel social dos professores.
Hoje, ainda que numa perspectiva diferente, é necessário
reintroduzir esta dimensão nos programas de formação de
professores.
Nas sociedades
contemporâneas, o prestígio de uma profissão mede-se, em grande
parte, pela sua visibilidade social. No caso dos professores estamos
mesmo perante uma questão decisiva, pois a sobrevivência da
profissão depende da qualidade do trabalho interno nas escolas, mas
também da sua capacidade de intervenção no espaço público da
educação. Se os programas de formação não compreenderem esta
nova realidade da profissão docente passarão ao lado de um dos
principais desafios deste princípio do século XXI.
Concluindo…
De forma simples,
procurei identificar cinco facetas que definem o “bom professor”:
conhecimento, cultura profissional, tacto pedagógico, trabalho em
equipa e compromisso social.
Admitindo que,
pelo menos na Europa, nos encaminhamos para uma formação em três
momentos – graduação, mestrado, indução profissional – estas
propostas destinam-se a inspirar, sobretudo, os dois últimos
momentos. Elas sugerem uma organização integrada e coerente do
mestrado (2 anos) e da indução profissional (2 a 3 anos). Faltaria
ainda referir a importância de uma articulação com as dinâmicas de
formação contínua, mas esse não era o tema deste artigo.
No essencial,
advogo uma formação de professores construída dentro da profissão,
isto é, baseada numa combinação complexa de contributivos
científicos, pedagógicos e técnicos, mas que tem como âncora os
próprios professores, sobretudo os professores mais experientes e
reconhecidos.
As cinco
propostas que avancei, marcadas com a letra P, procuram valorizar a
componente práxis, a cultura profissional, as dimensões pessoais,
as lógicas coletivas e a presença pública dos professores.
São princípios
que já inspiram muitos programas de formação de professores.
Infelizmente, nem sempre há uma divulgação destes programas, nem
os meios que permitam difundi-los junto dos círculos educacionais e
profissionais (Darling-Hammond, Chung & Felow, 2002).
Reconheço que
nos faz falta dedicar mais tempo à comunicação e discussão de
experiências concretas de formação de professores existentes em
várias universidades de referência.